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setembro 01, 2013

Sobre a violência e a educação...

Na semana que passou recebi um e-mail do setor de comunicação da instituição que trabalho, solicitando algumas respostas a uma "entrevista" sobre a violência nas escolas. Coloco entre aspas a palavras entrevista pois na verdade foi uma série de perguntas escritas - estão reproduzidas abaixo - e não tive a oportunidade de falar entre as minhas vistas e as vistas da entrevistadora, repórter Bruna Salvador, ao menos era o nome que assinava o e-mail. Dediquei um tempo de reflexão para resposta. Fiquei questionando-me se devia ou não responder pois não tinha a certeza que as respostas estariam na íntegra na edição de sábado no Jornal Bom Dia. Infelizmente tratava-se de um editorial que abordou o tema da violência na escola e as respostas que elaborei foram utilizada parcialmente. Já socializei o material abaixo na minha fan page no facebook, em meu perfil e alguns grupos que participo.

O tema é importante, o debate é valiosíssimo. Quero destacar apenas que o título da matéria no jornal é oriundo da fala de outro entrevistado. na minhas respostas não dou a ênfase que a manchete sugere. Além disso meu sobrenome está grafado errado, "Blasus", mas sabem que meu sobrenome é BIASUS.

Deixo aqui minhas reflexões sobre o tema em questão, e acredito que "uma outra - comunicação - é possível" como dizia Milton Santos ao tratar da Globalização.



Bruna Salvador - Por que a escola deixou de ser vista com o respeito que de algum tempo atrás, diante dos recentes casos de agressões a professores, funcionários e diretores, além das brigas entre alunos?



Parece que a escola não desperta interesse no aluno. Há, no espaço social, na tecnologia, uma sedução muito grande que prende a atenção do sujeito. Entretanto, me parece que não é só uma questão da escola e sim da perda ou desvalorização de alguns princípios que outrora foram fundamentais. A vida hedonista que vivemos na sociedade atualmente e a busca desenfreada por prazer a qualquer custo têm feito com que qualquer espaço, atividade ou ação que exija do sujeito mais que seu comportamento de consumidor, seja preterido. A intolerância à frustração tem se mostrado na sociedade algo importante que tem marcado o sujeito e suas relações, de maneira que quando o desejo não é atendido imediatamente ocorre uma reação. Outro fator importante é que temos deixado de pensar e dar significado às coisas e experiências. Parece que a violência tem sido uma “língua” diante da falta da capacidade de simbolizar, pensar, raciocinar, dialogar e relacionar-se.


Bruna Salvador - A violência rompeu os portões das escolas e agora não está apenas do lado de fora? Por que isso está ocorrendo? Quais as principais causas de isso estar acontecendo?

Não podemos esquecer que a escola é um espaço social da sociedade que vivemos e constituímos, sendo assim, ela não fica alheia às situações sociais. Preocupa-me o fato de colocarmos na escola a função de “messias”, de salvadora. Concordo que seja pela instituição educação que muitas transformações podem ocorrem, entretanto, relegar à instituição educação ao estabelecimento escola parece-me um erro. Penso que o espaço familiar precisa restabelecer sua função orientadora e educadora.


Bruna Salvador - As eventuais falhas no trabalho pedagógico das escolas, o grande número de alunos, ou seja, classes superlotadas, e até o sentimento de impunidade podem ser tratados como causas do fenômeno?

Tenho receio de concordar com esta afirmação que estás fazendo. Penso que “o buraco é mais embaixo”, como diz o ditado. Assistimos incessantemente na mídia uma execração de culpados. Achar culpados não resolve o problema. Penso que a energia gasta para culpar algo ou alguém, deve ser revertida na construção de soluções. Gastemos esse tempo na valorização das relações sociais, na vivência de relações sociais, familiares, de ensino-aprendizagem sadias, positivas, propositivas e transformadoras.


Bruna Salvador - Como a violência se manifesta nas escolas? E por que as unidades públicas parecem ser mais atingidas do que as particulares?

A não ser as notícias veiculadas na mídia, não tenho subsídios de pesquisa científica para emitir uma opinião, mas vou me permitir traçar algumas ideias sobre a questão. Fazendo uma leitura mais ampla da violência, penso que ela tem se estabelecido no espaço da falência da linguagem, ou seja, pela perda da capacidade de significar, de pensar, de dar sentido à própria existência. Temos utilizado as “vias de fato” para que possamos afirmar. Não sei se é no estabelecimento público ou privado que há maior ou menor violência. Tenho receio de cair numa análise classista em que público é ruim, privado é bom. O que entendo ser um enorme erro. Precisamos trabalhar para superar problemas sociais que acometem a todos, independente de classe social, cultural ou econômica. Neste sentido, me permita dizer que temos assistido uma invasão do mundo privado no espaço público. Veja que ao espaço público deveriam estar ligadas necessidades coletivas, entretanto, pela vivência de uma lógica cada vez mais individual, temos minado o espaço público de demandas puramente privadas, portanto, individuais, na busca pela garantia de viver o prazer pessoal. Como falei anteriormente, penso que a problemática é maior, marcada pela lógica de consumo e hedonismo que temos vivido e que tem implicado nas nossas relações sociais, independente de situação social. Cabe aqui também problematizar de que violência estamos falando. Se tratamos da agressão física, brigas, olhamos apenas para uma forma de expressão de violência, esquecemos de pensar a violência econômica a que estamos submetidos, todos, pelo excesso de impostos, pela égide de consumo que nos submetemos. Neste sentido, me parece que a violência que assistimos na TV, vivemos na sociedade, ou seja, as agressões podem ser lidas como um sintoma de uma falência do sujeito, de uma subjetividade que tem sido produzida e que me parece insustentável.


Bruna Salvador - A violência interfere no aprendizado? De que maneira?

Sem dúvida, a violência interfere no aprendizado, pois ela interfere na relação. A relação que se estabelece entre os sujeitos cognoscentes é de afastamento e a relação entre professor-aluno, aluno-aluno, família-escola, precisa de proximidade para que possa acontecer. O afastamento é prejudicial ao processo, entretanto, podemos fazer uma leitura diferente e pensar que o afastamento destes sujeitos, ou a falta de relação, poderá “implodir” na violência e, sendo assim, penso que a agressão, as brigas, os conflitos, são sintomas de um adoecimento social, não do aluno violento, do professor agredido, mas da dificuldade no estabelecimento de relações interpessoais promotoras de saúde. Se trato por adoecimento social, tendo a pensar que todos, indistintamente, estamos vinculados ao problema e à construção de soluções do mesmo.


Bruna Salvador - O que se percebe é que as escolas muitas vezes não acompanham os casos e às vezes nem os registra. Esta omissão não acaba causando um sentimento de impunidade?

Como afirmei anteriormente, a escola não é um “messias” salvador, ela sofre dos mesmos problemas e dificuldades sociais, uma vez que é reflexo da sociedade que ajudamos a construir. Se estamos com dúvidas, em encruzilhadas sociais e não sabemos para onde “correr”, a escola também vivencia esta situação.


Bruna Salvador - Uma forma de amenizar tal situação seria, talvez, ao invés de chamarem a polícia e fazerem BO, quando o aluno é agressor, não investem em trabalhos pedagógicos e no apoio psicológico e de assistência social? Aumentar o policiamento ajuda?

Responder a esta pergunta me preocupa, pois muita gente fala do que fazer para a educação, fala o que a escola deveria fazer, o que o professor deveria fazer e por vezes fala de um lugar distante da realidade. Eu ouço as angústias do professor, eu sou professor (universitário) e percebo o quanto incomoda-nos falarem pela gente o que deveria ser feito, como deveria ser feito, muitas vezes, como disse, pessoas ou entidades distantes do professor e da educação. Eu acredito na relação, uma relação positiva que evidencie as capacidades do sujeito, que devolva a ele a condição de humano, com as belezas e feiúras que temos. Acredito que a base para qualquer transformação, social e pessoal, está nas relações que se estabelecem. A punição a transgressões é importante, porém, se trabalharmos unicamente nesta lógica, dificilmente haverá transformação, mudança. Penso que a valorização do profissional da educação é importante para que ele possa dar de si, afinal, não se dá para o outro aquilo que não se tem. Insisto na ideia de que as mudanças na escola passam por mudanças sociais. Precisamos valorizar as relações familiares, os pais precisam dedicar tempo aos filhos, precisamos intensificar o diálogo, o compartilhamento de sentimentos, experiências e também nossos problemas, sobretudo os que são comuns a todos na busca de soluções em conjunto.


Bruna Salvador - Existe desinteresse pela cultura, condições e vidas dos alunos, já que há escolas que rotulam alguns como sujeitos-problemas, como se a escola não fosse co-responsável da forma de ser deles? O que o diretor, o professor e o funcionário devem fazer para erradicar a violência dentro das escolas? Quais seriam as medidas práticas e simples que podem conter esta violência ou mesmo acabar com ela?

Não existem soluções práticas e simples para problemas complexos e multifatoriais. Pensar em soluções mágicas é valorizar a vivência hedonista que vigora na sociedade atual. Acredito que as soluções passam a ser construídas no momento em que sentamos para dialogar, viver nossas relações sociais e familiares. Buscar culpados ou santos salvadores é manter a lógica social que vivemos. É buscar medicamentos para sintomas e não tratar as causas. Precisamos tolerar a frustração de não termos soluções imediatas, rápidas, simples e investir na construção coletiva, conjunta e social de mudanças sociais.

- O professor Felipe Biasus é Psicólogo Clínico, Mestre em Psicologia pela UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina), professor do Departamento de Ciências Humanas (Curso de Psicologia) da URI Erechim.