Há pelo menos oito anos, de duas a três
vezes em cada ano, sou contatado para falar aos profissionais da educação e
quase que exclusivamente o convite é muito específico: ²queremos uma palestra, já que estamos no período de
formação e vamos reiniciar as aulas, pensamos em uma palestra que motive os
professores...². Varia muito pouco a solicitação, às vezes ela tem uma
pequena introdução que destaca dificuldades vivenciadas, outras vezes é direta,
quase uma linguagem psicótica, ²queremos uma fala sobre
motivação².
Nas primeiras solicitações, iniciava um
debate com o solicitante para dizer que estava falando com um simples psicólogo
que não possui varinhas mágicas ou malas de dinheiro para em pouco mais de
quarenta minutos fazer as pessoas amarem aquilo que não amam ou fazerem aquilo
que não desejam. Como percebia que o debate não alterava o pedido passei a
argumentar e sugerir um trabalho focado na qualidade de vida do educador,
abordando a síndrome de burnout. Na
sequência trabalhava alguns pontos de efeito psicológico sensibilizando os
ouvintes para a importância do cuidado de si. Para minha surpresa, nos lugares
por onde passei, esta fala foi sempre bem acolhida. Em algumas ocasiões até
utilizei músicas (voz e violão), o que era bem visto pelos participantes.
Porém, ainda que a produção estivesse
sendo aceita, algo continuava a inquietar-me: o que este pedido estava, e ainda
está, querendo denunciar? A falência do sistema educacional? A baixa remuneração
dos professores? As problemáticas familiares e sociais que os alunos apresentam
e a falta de preparo dos profissionais para lidar com tal situação? (Vejam
referi lidar, e não resolver, pois às vezes é nesta condição que o professor é
colocado e se coloca). Estas questões até parecem bastante óbvias e recorrentes
nos discursos, entretanto possuem pouco poder explicativo para minha indagação,
ainda que sejam hipóteses plausíveis, ou como dizem os institucionalistas, bons
analisadores!
Eis que agora estou diante de uma nova
solicitação, e o tema se repete! Por vezes sinto enorme vontade de criar uma
palestra show daquelas que o participante
assiste, ri e até chora. Ao término sai realizado, imaginando que fora transmutado
para um novo mundo. Mas passada a empolgação negativa – pois classifico esta
vontade como irônica e resultado da raiva – pergunto-me o que dizer, como dizer
e como levar um grupo de pessoas, que devem influenciar pessoas, a refletir!
Com esta problemática em minha mente, me
pus a escrever para gravar reflexões e
me dou conta que a solicitação da palestra representa uma motivação, que
podemos classificar como extrínseca, pois foi ela que ensejou a raiva que dá
lugar a este ensaio. Então se o estopim foi externo busco forças internas para
agir. Questionamentos, inquietações e até a raiva se transformam em combustível
para resolver ou construir uma solução possível ao pedido feito. E o escrito
que faço (ação) acontece por motivos externos, mas também internos, e talvez
estes sejam os mais importantes. Quero dizer o que penso e sinto e aquilo que
penso ser importante refletir sobre o tema e mais precisamente, possibilita
criar uma solução temporária ao que a solicitação quer denunciar.
Mas afinal professor(a), o que te faz
ser professor? O que te faz sair de casa e entregar-te em relações humanas e
processos e ensino-aprendizagem? Que desejo te movimenta? Que sonhos alimentam
o teu fazer no mundo? O que te motiva? As respostas a estas perguntas vão
apontar se sua motivação é de origem extrínseca ou intrínseca. A primeira vem
de fora, a segunda é sua e somente sua. O interessante nisso tudo, é que se não
houver nenhum ponto de motivação intrínseca colocada em qualquer ação, é
difícil que a atividade realizada tenha sentido e significado. E assim sendo,
um ato sem significado ou que não tenha sido significado é um ato inútil para a
existência do sujeito, sua auto-estima, sua felicidade, sua realização.
Parece fundamental trabalhar para
(re)estabelecer o valor e significado positivo do papel social que desempenhas.
Dessa forma alguns pontos motivacionais podem ser ativados e o fogo que anima o
fazer poderá ter uma chama mais caudalosa. Neste instante, parece que surge uma
luz nas trevas mas algum pensante mais cuidadoso (ou afobado) poderá perguntar:
²...mas como conseguir isso?² Se tivesse uma resposta poderia ocupar a ²cadeira de adivinho²
mas não sirvo para esta função e ela também não cabe em meu fazer. Assim,
novamente me permitirei pensar e tecer provocações!
Embora muito (ou quase tudo) do
sucateamento da educação esteja fora do controle de seus agentes fundamentais (os
professores) por estarem vinculados as políticas, sistemas, burocracias, há uma
questão que apresentam grande potência transformadora e motivacional. Está
diretamente relacionada ao momento mágico (e que pode assumir a definição de
trágico), que é o intervalo de tempo entre o sinal de início da aula e do final
da mesma.
Como vivemos este tempo? O que colocamos,
investimos, doamos de nós neste tempo e neste espaço? Embora ele esteja
atravessado por leis e diretrizes este momento é único, um momento de relação
humana, ou melhor, relações humanas e como tal, multifacetado, plural e
possível. O que fazemos deste momento? Como pensamos, sonhamos, idealizamos,
realizamos este momento?
Em meio aos questionamentos, ideias e
reflexões pergunto-me se por aqui encontro uma ²chave² que possa auxiliar a
resolver a solicitação da palestra. Ninguém motiva ninguém! O que podemos fazer
influenciar ou convencer o outro. Convencer! Interessante, embora a palavra
convencer possa encerrar em si um vencedor e um vencido, imediatamente ela
apresenta algo fundamental até ao convencimento, a relação. Eu convenço ao
outro, assim eu venço com o outro e se eu não convencer ainda assim ocorreu uma
relação. Novamente, a relação humana está na cena! E se a relação está na cena,
será que ela poderia ser ou figurar como a ²chave² para solucionar o problema?
Outro pensamento que toma minha mente é
da palavra motivação em si mesma. Se brincar com ela, posso escrever: MOTIVO –
AÇÃO. Então, o que te faz agir? Porque não tentar agir em busca de significado
que traz em si mesmo a realização? É interessante, parece que as solicitações
das palestras carregam em si um significado único para a palavra motivação, a
qual é exclusivamente entendida como algo externo a pessoa, ou seja, ²diga algo que me motive, me faça feliz e melhore meu
desempenho rumo ao sucesso profissional².
Este desejo é impossível de se realizar! Afirmo a impossibilidade na crença de
que só alcança o desejo o sujeito estiver ativo, atuante, mobilizado por
motivos pessoais, interpessoais, sociais, múltiplos. E novamente, esta ação se
dá em geral na relação, mesmo que seja uma relação sua consigo (intrapessoal).
E por falar em motivação,
o que posso fazer é perguntar, fazer pensar, provocar. Afinal qual é seu
motivo?
Nenhum comentário:
Postar um comentário